BSPF - 20/09/2017
“Objetivo principal da reforma parece ser apenas o de
reduzir a despesa pública, para gerar superavit primário e honrar o compromisso
com os credores, e o de criar as condições para privatizar a previdência
pública, favorecendo o sistema financeiro”
Após defender a reforma da Previdência exclusivamente pelo
aspecto fiscal, alegando a existência de “deficits”, insustentabilidade do
sistema e necessidade de cumprimento do novo regime fiscal (EC 95), o governo
agora trabalha uma nova narrativa, que consiste, de um lado, em denunciar supostos
privilégios, especialmente dos servidores públicos, e, de outro, afirmar que a
reforma irá contribuir para reduzir as desigualdades de renda no Brasil.
A nova narrativa vai insistir que, além de usufruir por mais
tempo, o benefício médio das aposentadorias e pensões do setor público é pelo
menos sete vezes maior que a do setor privado, o que caracterizaria privilégio.
Obviamente vai omitir que: a) o servidor paga sobre a
totalidade da remuneração; b) a proporção entre custeio e benefício é a mesma
que existe no RGPS, c) o servidor já está sujeito a idade mínima, com efeitos
plenos para todos que ingressaram desde 1998; d) desde de 2013, pelo menos no
plano federal, já não têm mais direito a paridade nem integralidade, sendo-lhes
aplicadas as mesmas regras do setor privado no tocante a teto de benefício e
regra de cálculo da aposentadoria.
Omitirá, ainda, que a redução da aposentadoria e da pensão
do servidor público não vai melhorar o valor do benefício do segurado do INSS,
passando a impressão de que a reforma não irá atingir o trabalhador do setor
privado, sob o falso fundamento de que a maioria recebe apenas um salário
mínimo.
Ora, é verdade que a maioria ganha apenas um salário mínimo,
mas também não é menos verdade que, após a reforma, para ter direito a esse
benefício de um salário mínimo, o segurado do INSS também terá que trabalhar
mais, contribuir por mais tempo e ter idade mais avançada, exatamente como será
para o servidor.
Ou, mais grave, omite-se ainda que a maioria dos benefícios
de um salário mínimo é decorrente de aposentadoria por idade e de que a
carência para fazer jus a esse benefício é atualmente de 15 anos, e que estará
sendo aumentada para 25 anos, excluindo do direito a esse benefício milhões de
trabalhadores.
Basta dizer que de todos os atuais aposentados por idade do
INSS, apenas 24% comprovaram 25 ou mais anos de carência (contribuição) no
momento da aposentadoria, o que significa que se a carência atual fosse de 25
anos, em lugar dos 15 anos atuais, 76% dos atuais aposentados por idade não
estariam em usufruto de direito.
Também omitem o fato de que pelo menos um terço dos atuais
segurados, com idade igual ou superior a 55 anos, não teria como comprovar 25
anos de contribuição ao completar os 65 anos de idade, ficando excluído do
direito à aposentadoria por idade.
A nova narrativa, com base em estudo do Banco Santander, sob
o título Reforma da Previdência e Redução da Desigualdade, também vai
disseminar a ideia de que o atual modelo previdenciário privilegia as camadas
mais ricas e educadas da população, e que a reforma terá efeitos
redistributivos diretos e indiretos para o conjunto da sociedade, ajudando a
corrigir a grave desigualdade de renda existente no Brasil.
Dirá, por fim, que a reforma preserva as condições de acesso
para a camada mais pobre da população, e que se não houver a reforma o governo
não terá como expandir políticas distributivas, como a assistência social, a
valorização do salário mínimo e o investimento em educação básica, como se o
objetivo da reforma fosse melhorar a vida das pessoas. Mais ainda: já sinaliza, em tom de ameaça, o
risco de, sem a reforma da previdência, não conseguir pagar os benefícios dos
atuais aposentados.
É verdade que o sistema previdenciário requer
aperfeiçoamentos, inclusive para torná-lo mais compatível com a situação
demográfica e também para melhorar o equilíbrio financeiro e atuarial do
sistema, mas as reformas, como regra, precisam ter claras regras de transição e
respeitar o direito acumulado, vigorando, em sua plenitude, prioritariamente
para os futuros segurados, o que não acontece com a PEC 287.
O objetivo principal da reforma, a julgar pelo discurso da
equipe econômica desenvolvido até aqui, parece ser apenas o de reduzir a
despesa pública, para gerar superavit primário e honrar o compromisso com os
credores, e o de criar as condições para privatizar a previdência pública,
favorecendo o sistema financeiro. A reforma precisa equilibrar os sacrifícios e
não penalizar apenas e exclusivamente os segurados do INSS e dos regimes
próprios dos servidores civis.
Por Antônio Augusto de Queiroz
Fonte: Congresso em Foco