Correio Braziliense
- 24/04/2018
Empresa tem rombo de R$ 330 milhões e perde 5 mil contratos
por mês. Aprovação de nova diretoria, na segunda-feira, evitou que o novo
diretor executivo renunciasse apenas três semanas depois de tomar posse
Após ameaçar renunciar com apenas três semanas no cargo, o
novo diretor executivo da Geap Autogestão em Saúde, Roberto Sérgio Fontenele
Candido, conseguiu o aval do Conselho de Administração para nomear a nova
diretoria da operadora. No fim da tarde de ontem, o colegiado finalmente
aprovou os nomes dos indicados por Fontenele, e, nos próximos dias, correrão os
trâmites para as nomeações.
O Conselho aprovou os nomes de Marcos Vinícius de Souza
Júnior, como diretor de Administração (Dirad), de Adriano Roque Souza Suzarte,
como diretor de Finanças, e Gilton Paiva Lima, como diretor de Controle de
Qualidade (Dicon). A atual titular da Dicon, Luciana Rodriguez Teixeira de
Carvalho, assumirá a Diretoria de Saúde.
“A posse dos novos indicados para a diretoria foi aprovada
ontem e validada pelo Conselho de Administração da operadora. Esta é uma
excelente notícia para a Geap, beneficiários, prestadores e demais envolvidos
nesse processo sério de recuperação”, informou a assessoria de imprensa da
instituição, por meio de nota ao Correio.
Contornada a dificuldade de formar uma equipe de confiança,
Fontenele, que assumiu o cargo em 29 de março com o objetivo de “sanear” a
empresa, tem outros desafios pela frente. A situação da Geap é dramática. Em
uma conversa com funcionários da operadora à qual o Blog do Vicente teve acesso
no fim de semana, o executivo afirmou que, se a operadora não conseguir uma
injeção R$ 130 milhões até 30 de junho, poderá entrar em “liquidação judicial”
pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Nessa conversa, o diretor executivo da Geap não poupou
críticas à gestão anterior e confessou ter ficado assustado ao descobrir que o
quadro da empresa estava muito pior do que ele imaginava. Segundo ele, a
empresa perde 5 mil contratos por mês. Atualmente, a operadora possui uma
carteira de 455.251 clientes — 38,7% a menos do que os 742.669 segurados de
2005.
No áudio, Fontenele fez um alerta sobre as finanças da
empresa e afirmou que o rombo total no caixa chega a R$ 330 milhões. Ele afirma
que uma das medidas que pretende adotar para tentar reverter esse buraco será
centralizar todos os pagamentos da Geap na diretoria executiva. O diretor disse, em nota enviada ao Blog, que
funcionários da Geap são “cooptados e manipulados” por agentes privados. Ele
ressaltou que hospitais e médicos roubam os planos de saúde.
Audiência
As críticas à má gestão da Geap não se restringem à nova
diretoria. Apesar de a operadora ter registrado lucro nos últimos dois anos,
após um prejuízo de R$ 202,4 milhões em 2015, na manhã de hoje, o presidente do
Conselho de Administração da Geap, Marcus Vinícius Severo de Souza Pereira,
terá de explicar, em audiência pública na Comissão de Transparência,
Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC) do Senado
Federal, por que, nos últimos três anos, o reajuste dos planos da operadora
chegou a 80% enquanto a inflação foi de 12% no mesmo período.
O autor do requerimento, senador Randolfe Rodrigues
(Rede-AP), demonstrou indignação com a discrepância. “A Geap foi criada com o
objetivo de ser um plano de saúde dos servidores diferenciado, mas esse aumento
exorbitante está fazendo com que deixe de cumprir a finalidade”, criticou. O
secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal
(Condsef), Sérgio Ronaldo da Silva, lamentou que a Geap pretenda promover novos
reajustes, de quase 40%.
Silva lembrou que os servidores nem sequer têm participação
no conselho da operadora, apesar de terem a maior parcela de contribuição.
“Esse quadro precisa mudar e os funcionários também precisam ter voz no
conselho”, avaliou. Para o senador da Rede, isso é “um absurdo”. “Os segurados
precisam ter voz na gestão do plano”, defendeu. O parlamentar afirmou que
pretende formular essa proposta na audiência.
De acordo com Silva, muitos servidores estão abandonando o
plano porque não conseguem pagar tanto reajuste. “A União entra com um subsídio
de apenas 18% enquanto os beneficiários pagam 82%. Com um reajuste de 5% em
2017 e o plano querendo aumentar mais quase 40%, fica é insustentável”,
lamentou. Ele afirmou que a Condsef encaminhou, há mais de um mês, uma proposta
ao Ministério do Planejamento, sugerindo que a pasta adote o mesmo modelo das
estatais, de custeio de 50%-50% nos planos de saúde, mas ainda não teve
resposta.
Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas,
reforçou que a crise financeira da Geap é histórica e reflete como o
aparelhamento político de entidades e empresas atrapalha a gestão de serviços
essenciais. “Na minha opinião, essas entidades que movimentam valores
expressivos precisam ter uma administração profissional. A Geap e os Correios
são casos clássicos em que funcionários e usuários precisam agora pagar a conta
bilionária dos rombos criados pela má gestão”, lamentou.
Justificativa para aumentos
A assessoria de imprensa da Geap Saúde justificou os
reajustes acima da inflação nos planos, afirmando que foram definidos a partir
de “cálculos atuariais”, com base em uma série de fatores, como aumento
exponencial dos valores de cobertura de eventos e procedimentos médicos
prestados, o ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (SUS), de cerca de R$ 4
milhões mensais, e custos com liminares judiciais, que representam cerca de R$
400 milhões, anualmente. O Ministério do Planejamento informou que acompanha a
Geap “dentro do que lhe permite sua condição de patrocinador” e que evitou
criticar esses aumentos acima do custo de vida. “Compete à Geap, de posse de
necessário estudo atuarial (conforme regras da ANS), definir o custeio e
eventuais necessidades de reajuste, as quais por regra não podem ocorrer em
menos de 12 meses da anterior”, afirmou.
Por Rosana Hessel